domingo, 24 de maio de 2009

Reforma política não acaba com 'caixa dois' de campanha, diz cientista político



O cientista político David Fleischer


David Fleischer
Piero Locatelli
Do UOL Notícias
Em Brasília

A atual reforma política em discussão na Câmara dos Deputados tem somente dois pontos anunciados abertamente pelos congressistas: o financiamento público de campanha e o voto em lista fechada e pré-definida pelos partidos.

* Daiane Souza/UnB Agência



Porém, para o cientista político David Fleischer, não há dúvida de que a chamada "janela" - um período para os políticos trocarem de legenda como bem entenderem sem levar em conta a fidelidade partidária - será aprovada, caso a ideia de reforma política avance.

Nascido nos Estados Unidos, Fleischer leciona Ciência Política na Universidade de Brasília desde 1972. Em entrevista ao UOL Notícias, ele comentou a atual proposta de reforma em discussão na Câmara dos Deputados.

Apresentada no último dia 6 de maio por cinco partidos, a proposta de reforma política traz a ideia do financiamento público exclusivo de campanha. Fleischer acha que esse novo tipo de financiamento não acabaria com o "caixa dois" nas campanhas - defensores da proposta dizem que o fim do financiamento privado acabaria com a prática ilícita.

A outra proposta em jogo é a lista partidária fechada. Nela, o cidadão não votaria mais em apenas um candidato nas eleições para os cargos proporcionais - vereadores e deputados. Ao eleitor, caberia escolher somente o partido, com uma lista já pronta de candidatos. Fleischer vê a proposta com bons olhos.

Fleischer falou sobre outras mudanças possíveis no sistema eleitoral brasileiro, mas que não estão em jogo atualmente. Entre elas, está o voto distrital, em que o eleitor escolheria seu representante nas assembleias em unidades menores do que um Estado.

Leia abaixo entrevista ao UOL Notícias.

UOL Notícias - A lista fechada seria benéfica para o Brasil?
David Fleischer - A lista fechada seria uma grande revolução na maneira de eleger deputados e reduziria muito os custos da campanha. Atualmente, 90% dos eleitores votam em nomes e não nos partidos - embora essas duas opções sejam viáveis. O candidato faz a campanha individual durante todo o tempo e nem dá bola para o partido. Ele só faz propaganda do seu número, nunca do número da legenda. Com a propaganda feita somente pelas legendas, diminuiriam os custos.

UOL Notícias - Com a lista fechada, mudaria o perfil dos deputados eleitos?
Fleischer - Se fechar a lista, você tiraria do processo todos os grupos que elegem seus candidatos. Igrejas evangélicas concentram seus votos em um único candidato e o elegem. Sindicatos e grupos étnicos também - como os japoneses em São Paulo e no Paraná. Policias militares são outro exemplo disso. No Estado de São Paulo você tem quatro ou cinco policiais militares deputados, porque se juntam todos os votos dos policiais em poucas pessoas. Com a lista fechada, essas votações por grupo acabariam e você fortaleceria o partido, que teria mais controle e disciplina.

UOL Notícias - Há países que podem servir de modelo ao Brasil?
Fleischer - A lista fechada é usada em 90% dos países com voto proporcional. Só tem uns dois ou três países que usam a aberta além do Brasil, como a Finlândia. A lista aberta é uma aberração. Usamos esse sistema desde 1950 e agora é muito complicado você mudar isso. O problema da mudança é que os deputados são muito ansiosos, eles têm medo de não se reeleger. Atualmente a renovação é de 50%. Com a lista fechada, a renovação pode ser menor, de 20 ou 30%. Ela seria uma grande revolução e reduziria muito os custos.

UOL Notícias - Uma crítica comum à lista fechada é a de ela concentrar o poder na mão de "caciques" partidários e tirar a decisão dos nomes da mão do povo. O senhor concorda com a crítica?
Fleischer - Eu acho que falar que o povo escolhe é balela, é um mito. Muitas vezes você vota no fulano que vai trabalhar para eleger beltrano, por causa das coligações na lista aberta. E a lista fechada não deveria impor exclusivamente ao partido a escolha dos candidatos. Essa nova versão do projeto não estabelece as regras de como devem ser escolhidos os candidatos que farão parte da lista. Os líderes não deveriam impor a decisão, pois os partidos que usarem prévias vão ganhar muito apoio. Isso seria como um estímulo à participação das pessoas na política. O partido mais inteligente vai organizar uma prévia para aumentar muito as filiações. Os partidos que usarem a escolha dos caciques, que devem ser uns quatro ou cinco partidos, estão fadados a perder a eleição.

UOL Notícias - Que outras mudanças poderiam aparecer com a lista fechada?
Fleischer - Fechando a lista, poderia se embutir uma cota para mulheres nela. É como ocorre na Argentina, em que uma mulher tem que constar na lista no terceiro, quinto e sétimo lugar. E é possível a aprovação de uma proposta assim no Brasil, pois as mulheres estão pressionando cada vez mais. Essa proposta ajudaria na inserção da mulher. A Argentina, em 2002, tinha mais ou menos 6% ou 7% de mulheres na política. Agora está em quase 30%.

UOL Notícias - O financiamento público será viável no Brasil?
Fleischer - O que está na proposta dá menos de R$ 1 bilhão para todas as eleições. E nós sabemos que em 2006 elas custaram entre R$ 10 e 15 bilhões. Então é claro que esse valor é insuficiente. Acho o financiamento público uma ideia boa, mas não vejo como vigorar com esses valores.

UOL Notícias - O financiamento público é capaz de inibir o "caixa dois" e deixar a eleição mais equilibrada?
Fleischer - Não, infelizmente. O problema do caixa dois é que 90% das empresas fazem caixa dois interno para fugir do fisco. Enquanto ele não for eliminado de dentro das empresas, vai ser muito difícil eliminar a prática na campanha. Perguntaram-me por que há pouco caixa dois em campanhas nos Estados Unidos ou no Canadá. É porque poucas empresas fazem isso internamente, pois lá isso dá multa e prisão. Então, não tem caixa dois eleitoral nesses países.

UOL Notícias - É possível aprovar essa reforma para que ela tenha efeito nas eleições presidenciais de 2010?
Fleischer - Eu acredito que algumas partes possam ser aprovadas para 2010. A proposta de lista fechada, sem regras de como fazer a lista, pode passar.

O financiamento público de campanha também, pois essas duas propostas são casadas. E outra que eu tenho certeza que vai passar é uma proposta para permitir uma janela, em abril ou maio do ano da eleição, para os políticos pularem de partido como quiserem. Congressistas dizem que há dificuldade para aprovar a janela, pois ela necessitaria de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) - e não somente de um projeto de lei ordinária, como no caso do financiamento e da lista.

UOL Notícias - Isso não dificultaria a aprovação de uma janela ainda neste ano?
Fleischer - Mesmo precisando de uma PEC, muita gente quer mudar de partido. Então, se houver vontade, não deve haver dificuldades.

UOL Notícias - Quais outros pontos seriam primordiais para uma reforma política "de verdade"?
Fleischer - Uma reforma de extrema importância, que tem zero chance de ser aprovada, é a da lista suja. A proposta seria a de uma pessoa condenada em primeira instância não poder ser eleita. Porque você tem muita gente que se elege somente para ganhar a imunidade. Outra é a cláusula de barreira de 1%. Parece baixinha, mas em 2006 teria eliminado sete partidos. Proibir as coligações seria outro passo. Mas a federação inteira teria que estar junto para isso ser viável.

UOL Notícias - Como fica a situação dos partidos menores com essas mudanças?
Fleischer - Isso depende da ordem que os partidos colocarem os candidatos. Mas isso com certeza vai enfraquecer um pouco alguns partidos. O PC do B não tem voto suficiente para eleger ninguém em nenhum Estado, mas concentra todos seus votos em um candidato aqui, como ele sempre elege três ou quatro em coligações, como no caso do PT. Na lista fechada, vai complicar a situação.

UOL Notícias - E o voto distrital, é viável no Brasil?
Fleischer - O voto distrital é defendido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e uma parte do PSDB. Seria uma mudança tão drástica que não emplacaria. O que poderia emplacar é o sistema misto, a semelhança do modelo alemão, onde metade deles seria eleito pelos Estados e outra metade pelos distritos. Isso foi muito discutido na constituinte, mas não emplacou.

UOL Notícias - Por que o voto distrital não emplacou?
Fleischer - Porque com o voto distrital você elimina o candidato que capta voto pelo Estado inteiro, como o Delfim Neto [economista, ministro da Fazenda na ditadura militar, Delfim não conseguiu se reeleger deputado em 2006 pelo PMDB]. Com o sistema distrital você estaria, como muita gente diz, elegendo deputados-vereadores. Mas, na prática, metade dos deputados já é eleita em redutos, de mais ou menos 20 mil ou 25 mil eleitores. Muitas vezes é um ex-prefeito, que regula a região, manda nela. E eles trabalham duramente na Câmara somente para favorecer esse reduto que o elegeu.
UOL

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ação entre amigos: Reforma propõe voto na sigla, e não no candidato

Reforma articulada por governo e grandes partidos propõe voto em lista fechada

da Folha Online

Hoje na Folha Sob patrocínio do governo federal e com apoio de cinco partidos --além de parte expressiva do PSDB-- a Câmara se mobiliza para aprovar, até outubro, financiamento público de campanha e voto em lista fechada já para 2010, informa reportagem de Catia Seabra, publicada na Folha desta quarta-feira (íntegra disponível para assinantes do UOL e do jornal).

Com autoria atribuída a PT, PMDB, DEM, PPS e PC do B, o texto propõe a criação de um fundo com recursos equivalentes a R$ 7 por eleitor para cobrir as despesas do primeiro turno, o que corresponderia a R$ 913.197.656 -tomando por base o eleitorado de dezembro de 2008. Para o segundo turno seriam reservados R$ 2 por eleitor -ou R$ 260,9 milhões.

Pela proposta, o eleitor passa a votar numa sigla. Não mais no candidato. Os congressistas assumem a vaga segundo a votação obtida e a hierarquia previamente elaborada pelo partido ou pela coligação.

Como não requer mudança constitucional -o voto continuaria proporcional-, dependerá de maioria simples para aprovação.

Eleição sem candidatos acentua a elitização do Parlamento

Folha de São Paulo

Reforma propõe voto na sigla, e não no candidato
Sob patrocínio do governo federal e com apoio de cinco partidos - além de parte expressiva do PSDB -, a Câmara se mobiliza para aprovar, até outubro, financiamento público de campanha e voto em lista fechada para 2010, relata Catia Seabra.

Com autoria atribuída a PT, PMDB, DEM, PPS e PC do B, o texto propõe a criação de fundos para despesas eleitorais e do voto em lista fechada para o Legislativo, pelo qual o eleitor passa a votar numa sigla, não mais no candidato. (págs. 1 e A4)

domingo, 3 de maio de 2009

Congresso prepara ressurreição da reforma política

O Legislativo tentará, nesta semana, mudar de assunto.



Deseja arrancar das manchetes as transgressões éticas.



Em troca, vai oferecer o debate sobre reforma política.



Na mesa, proposta formulada por uma comissão de deputados.



Coordenou-a o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).



Pretende-se reservar a sessão de quarta (6) para esmiuçar o projeto.



Diz-se que há muito por reformar no sistema eleitoral brasileiro.



Mas o grupo sugere que os colegas se concentrem num par de temas:



1. Voto em lista;



2. Financiamento público das campanhas.



A prevalecer o item 1, o eleitor deixará de optar pelo candidato de sua preferência.



No encontro com as urnas, passará a votar apenas nas legendas.



Somados os votos, elegem-se os candidatos escolhidos previamente pelos partidos.



Quanto mais votos obtiver uma agremiação, maior o número de eleitos de sua lista.



Quem elabora a relação de candidatos? As cúpulas partidárias.



Vingando o item 2, o custeio das campanhas passaria a ser bancado pela Viúva.



Os partidos ficarão proibidos de correr o chapéu defronte de guichês privados.



Deseja-se, em suma, o seguinte:



Que o eleitor pague por um pleito no qual lhe será negado o gostinho de optar por este ou por aquele candidato.



A isso se resumiu a reforma política urdida nos subterrâneos do Congresso.



O par de idéias tem o apoio dos partidos que importam: PMDB, PT, PSDB e DEM.



Se levadas a voto, não são negligenciáveis as chances de que passem.



“Precisamos aprovar até o final de setembro”, diz Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM.



Explica-se: para que possam vigorar em 2010, as novas regras precisam vir à luz um ano antes da eleição.



Na dúvida, a Justiça Eleitoral esboça regras mais rígidas para o manuseio de verbas em 2010.

Escrito por Josias de Souza às 04h47

>