sexta-feira, 15 de abril de 2011

Os sentidos da reforma política (Athos Pereira)


DEBATE ABERTO

É preciso ter cuidado ao se falar de reforma política. Milita a favor dela quem quer preservar as virtudes do sistema político brasileiro e combater os vícios, em especial o uso e abuso do poder econômico. Milita contra ela quem ataca as virtudes do sistema e discretamente quer preservar os vícios, contribuindo assim para restringir a democracia.


O sistema político brasileiro tem virtudes e vícios. Entre as virtudes principais podemos citar: o método proporcional aplicado na realização de eleições legislativas, o sistema de votação e apuração eletrônico, o sistema de repartição do tempo destinado à propaganda eleitoral e partidária, proporcional ao tamanho da bancada de cada partido na Câmara, além de muitas outras.

Os vícios residem no fato de que o sistema é tolerante com o uso e abuso do poder econômico nas campanhas eleitorais, fenômeno que pode distorcer a expressão da vontade popular; permite a realização de coligações para eleições legislativas, o que impede a verificação da força real de cada partido na sociedade; não contém uma lei que estabeleça a fidelidade partidária, o que estimula a Justiça a invadir áreas que não são de sua competência, estabelecendo uma fidelidade partidária, com base em sentenças tão precárias, quanto arbitrárias.

Além disso, disso o sistema induz a um modelo de programa de propaganda eleitoral, no rádio e na TV que é uma verdadeira balbúrdia, não contribui para o debate, mas serve para desmoralizar a atividade política.

É preciso, portanto, ter cuidado ao se falar de reforma política. Milita a favor da reforma política democrática quem quer preservar as virtudes apontadas no parágrafo primeiro deste artigo e combater os vícios apontados no segundo parágrafo, ampliando assim os espaços da democracia. Milita contra a reforma política quem ataca as virtudes do sistema e discretamente quer preservar os vícios, contribuindo assim para restringir a democracia.

O método do voto majoritário é próprio para as eleições para cargos majoritários. O método do voto proporcional é próprio para as eleições para cargos legislativos. É ele quem pode assegurar a pluralidade, a simetria entre o voto popular conquistado por cada partido e as cadeiras atribuídas a cada partido no parlamento.

A direita brasileira e sua imprensa esclarecem pouco sobre como é que funciona o voto distrital/majoritário nas eleições legislativas. Preferem apresentá-lo como um conto de fadas, envolto na bruma da desinformação, muito próximo da perfeição. Decorre daí a necessidade de mostrar como funciona realmente o sistema distrital.

Neste sistema cada deputado é eleito em um determinado distrito por voto majoritário, quem obtiver um voto a mais leva tudo, quem obtiver um voto a menos perde tudo. Esse método gera a probabilidade matemática de uma minoria com 49% dos votos, em cada distrito, vir a ser excluída do parlamento. Para tanto basta que uma maioria conquiste 51% dos votos em todos os distritos.

Ou seja, no sistema distrital, com este resultado, o partido que obteve 51% dos votos ficaria com 100% das cadeiras e o outro ficaria com zero. Num sistema normal/proporcional um ficaria com 51% das cadeiras e o outro com 49% das cadeiras como é lógico. Ao longo da história o sistema distrital tem gerado um bi-partidarismo incapaz de refletir a complexidade das sociedades modernas.

Considere-se, no entanto, que o exemplo acima citado é apenas uma hipótese. Na prática o sistema produz resultados ainda mais extravagantes, conforme passamos a relatar. Tratando das eleições no Canadá, em 1993, o cientista político Jairo Nicolau (Sistemas Eleitorais página 18) informa: “O Partido Conservador, que obteve 16,00% dos votos espalhados pelo território, elegeu apenas dois deputados, enquanto o Bloco de Quebec, com votação concentrada (13,5%) elegeu 54 deputados. O partido da Nova Democracia, com apenas 6,9% dos votos, elegeu nove deputados”. Como se vê este é um resultado assustador.

Analisando as eleições de 1996 na Austrália, o mesmo Nicolau (Página 28) assinala: “Os trabalhistas, que receberam 38,8% dos votos, ficaram com 33,1% das cadeiras, enquanto os liberais, com 38,7% dos votos, obtiveram 51,3% da representação parlamentar”. Isto parece um caso de geometria variável em ruptura com a simetria. Nele, quem tem mais votos elege menos deputados, quem tem menos votos elege mais deputados. Talvez este seja o sonho de consumo dos tucanos que, atendendo a conselho de FHC, vão se afastar do povão.

O distrital sempre foi pródigo em resultados extravagantes. Na última eleição realizada no Reino Unido, de maio de 2010, não foi diferente. O Partido Trabalhista obteve 29% dos votos, e com isso 39,69% das cadeiras. Já o PLD com 23,1% dos votos conquistou apenas 8,76% das cadeiras.

Este tipo de incongruência não é novidade, tem se repetido desde 1948, quando o voto distrital foi implantado no conjunto do Reino Unido. Como lembra Nicolau, o PLD foi prejudicado em todas as eleições desde então. Ao longo do período obteve, em média, 12,4% dos votos, mas apenas 1,9% das cadeiras.

Há, no entanto, no Reino Unido uma novidade. Para ganhar o apoio do PLD para formar o governo de coalizão que atualmente dirige a Grã-Bretanha, os conservadores prometeram apoiar a realização de uma consulta popular sobre alterações no sistema eleitoral. Esta consulta estava prevista para 5 de maio próximo. Este seria um primeiro passo para superar as distorções produzidas pelo distrital no Reino Unido.

Sem querer assombrar ninguém, recorro ao sociólogo Alberto Carlos Almeida, ex-assessor de José Serra e atual desafeto. Em artigo publicado no Valor Econômico (25/03/2011), ele lança luz sobre outra face do sistema distrital: “Se ele (o distrital) fosse adotado hoje, teríamos daqui a dez anos uma disputa somente entre o PT e outro dos partidos de centro-direita que disputam espaço atualmente. Porém, o sistema proporcional permite a coexistência do PT com diversos outros partidos: PSDB, PMDB, DEM, PP, PR, apenas para citar os mais importantes. O sistema distrital varreria do mapa político quatro dessas cinco legendas. Isso Serra não diz em seu artigo. É exatamente por isso que o sistema distrital não é recomendável para o Brasil.” Com isso, Almeida decifra Serra. O objetivo do ex-governador é impor um bi-partidarismo ao Brasil. “Honi soit qui mal y pense”.

Fiel à suas idéias, algumas cultivadas desde sua fundação, como fidelidade partidária, financiamento público de campanha, voto em lista, proibição de coligações em eleições legislativas etc...; com a autoridade de quem já venceu três eleições, dentro de um sistema que contém vícios, conforme já apontamos neste artigo; seguro de que não está buscando nenhum golpe como compra de votos para instituir a reeleição ou emenda marota para proibir a exibição na TV de imagens das caravanas da cidadania, que leva a assinatura de José Serra; o PT sente-se a vontade para propor uma pauta.
Ela não é excludente, procura ater-se ao essencial, mas não se recusa a debater outras propostas sinceras para ampliar a democracia. É impossível, no entanto, conciliar com ataques ao modelo proporcional para eleições legislativas.

Para superar os principais vícios do sistema eleitoral brasileiro, o PT propõe os seguintes pontos:

1) Financiamento Público de Campanha. Para baratear as campanhas e facilitar a fiscalização dos gastos pela Justiça. É ele quem pode assegurar o equilíbrio nas disputas, garantir a presença do povo na atividade política institucional e, ainda, funcionar como instrumento de combate à corrupção.

2) Fidelidade Partidária – A Justiça impôs ao arrepio da Lei uma fidelidade partidária que tem se revelada precária e passível de burla. Cabe estabelecer em Lei, de forma inequívoca, que todo mandato pertence ao partido.

3) Proibição de Coligações nas Eleições Legislativas – Elas servem para aferir a força de cada partido na sociedade. As coligações impedem que esta aferição seja feita.

4) Voto em Lista Flexível Pré-ordenada – O sistema atual é de voto em lista aberta. O eleitor pode votar num candidato ou simplesmente assinalar o número de um partido, optando assim pelo chamado voto na legenda, que é voto em lista sem ordem. Para permitir que o horário eleitoral no rádio e na TV seja um debate racional e deixe de ser a balbúrdia que é hoje e para construir um método de votação compatível com o financiamento público, o PT está disposto a discutir a adoção de um modelo de voto em lista flexível pré-ordenada. Neste sistema o eleitor pode votar apenas num candidato, mas quando votar simplesmente na lista estará aprovando a ordem apresentada pelo partido, quando além de votar lista, indicar um candidato estará propondo uma alteração na ordem, que será considerada.

A aprovação dos pontos acima mencionados ampliaria e daria maior solidez a nossa democracia. O desafio é construir uma maioria no parlamento e na sociedade para aprovar as reformas propostas, num ambiente hostil ao debate racional e dominado por uma mídia monopólica, tradicionalmente golpista e que, por isso mesmo, sempre aposta na desqualificação da atividade política e no enfraquecimento das instituições democráticas.

(*) Assessor da Liderança do PT na Câmara Federal.

sábado, 9 de abril de 2011

Financiamento público de campanha

AGÊNCIA SENADO 09/04/2011 00h00

O financiamento público de campanha e a lista fechada para votação proporcional são duas das principais mudanças aprovadas pela Comissão da Reforma Política, que entregará um relatório final ao presidente do Senado, José Sarney, na próxima quarta-feira (13).
O documento reúne propostas que trazem outras mudanças na campanha eleitoral, na posse, no mandato dos candidatos e na atuação partidária.
Nas campanhas eleitorais, a mudança mais significativa é a adoção do financiamento público exclusivo. A medida é uma tentativa de tornar a disputa eleitoral igualitária e inibir a prática de corrupção.
- O financiamento público vai permitir a qualquer pessoa que queira participar de uma disputa eleitoral, além de combater a corrupção. As empresas que contribuem com os candidatos guardam interesses na relação com o poder público. Isso nem sempre é um problema, mas, se olharmos os grandes escândalos nacionais, 90% ocorreram em razão do financiamento privado - argumenta o senador Humberto Costa (PT-PE).
Além do financiamento público exclusivo, a Comissão da Reforma Política definiu a obrigatoriedade de um limite de gastos para as campanhas eleitorais. No entanto, o valor deste teto ainda não foi fixado pelos senadores.
Lista fechada e cota para mulheres
A lista fechada aparece como outro ponto importante da reforma. Hoje o Brasil adota o sistema de lista aberta, em que, nas eleições para deputado federal, estadual e distrital e vereadores, o eleitor pode votar somente no partido ou diretamente no candidato. No novo modelo proposto, o voto é dado ao partido, que define previamente (em convenção, na maioria das vezes) uma lista de candidatos pré-ordenada. O eleitor não tem como modificar a lista do partido.
O número de vagas a ser preenchida pelos partidos segue a regra atual de proporcionalidade - é calculado de acordo com a votação da legenda frente ao total de votos válidos. Para assegurar a participação feminina na definição das listas fechadas, os senadores incluíram no projeto a cota para mulheres. Por essa regra, metade da lista de cada partido deve ser ocupada por candidatas do sexo feminino.
- Com a lista fechada, não tenho dúvida de que é preciso a cota, do contrário a mulher seria inteiramente alijada do partido e da disputa. Basta ver a estrutura partidária, que não contempla absolutamente as mulheres - disse a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), após a aprovação da proposta na última quinta-feira (7).
Com a adoção da lista fechada, a proposta aprovada pelos senadores extingue as coligações partidárias. Se confirmada pelo Congresso Nacional, a reforma impedirá a prática atual de união de legendas como forma de fortalecer candidaturas.
Posse e mandato
O relatório final da Comissão da Reforma Política tratará ainda da posse de prefeitos, governadores e presidente da República. Os titulares dos executivos municipais e estaduais assumirão seus cargos no dia 10 de janeiro do ano seguinte ao da eleição. O presidente da República será empossado no dia 20 de janeiro. Hoje, todos os chefes do Poder Executivo são empossados no dia 1º de janeiro.
O período do mandato também sofre alterações. A possibilidade de reeleição deixa de existir e os mandatos no Executivo são ampliados de quatro para cinco anos.
Já os senadores, que continuariam sendo eleitos pelo sistema majoritário, perdem o direito a indicar dois suplentes. Pela proposta, haverá apenas um suplente, que só assumirá em ausências temporárias do titular. Em caso de afastamento permanente, o substituto exercerá o cargo até que seja eleito um novo senador. A eleição deste se dará no pleito seguinte, independentemente de ser municipal ou geral. O suplente também não poderá ser cônjuge ou parente consanguíneo ou afim, até segundo grau ou por afinidade, do titular.
Outra novidade nas campanhas eleitorais é a possibilidade de candidatura avulsa para prefeito e vereador. A proposta de reforma permite registro de candidatos sem vínculo partidário. Basta que eles obtenham apoio de pelo menos 10% dos eleitores do município.
Regras mantidas
A Comissão da Reforma Política também confirmou regras do atual sistema. Os senadores decidiram pela manutenção do voto obrigatório e da fidelidade partidária para os políticos. A reforma segue a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que, se o candidato eleito mudar de partido perderá o mandato. Há apenas quatro exceções: incorporação ou fusão da legenda, criação de novo partido, desvio do programa partidário e grave discriminação pessoal.
Foram mantidas as normas atuais da propaganda partidária e a cláusula de desempenho, que define que, para ter funcionamento parlamentar, o partido deve ter no mínimo três representantes, de diferentes estados, na Câmara dos Deputados.
Os senadores incluíram no documento final da reforma política a necessidade de realização de um referendo para consultar a população a respeito das mudanças.
O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), presidente da comissão, explicou que, se aprovadas, as mudanças sugeridas pela comissão devem entrar em vigor apenas em 2014.
- Está muito cedo. Você não pode mudar a regra eleitoral a toque de caixa. Aquele princípio da anualidade é da maior importância e tem que ser respeitado. Não acredito que vamos aprovar medidas para a eleição de 2012 até setembro deste ano - disse.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Senadores aprovam mudança para que metade dos candidatos sejam mulheres

Proposta foi incluída em projeto de reforma política discutido pelos parlamentares
Agência Estado

Em sua última reunião, a Comissão de Reforma Política do Senado aprovou, nesta quinta-feira (7), a separação de 50% das vagas de candidatos em eleições para mulheres.

Também foi determinada a realização de uma consulta popular sobre o novo sistema eleitoral.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que preside a comissão, encaminhará o relatório final das atividades do grupo ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), na semana que vem.

Depois, o documento será convertido em projetos de lei e PECs (propostas de emenda constitucional) dentro de um mês. As matérias serão, então, apreciadas pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e pelo plenário da Casa. Em seguida, vão para a Câmara dos Deputados.

Pelo modelo aprovado, haverá alternância entre homens e mulheres na lista de candidaturas - ou seja, metade das vagas terá de ser destinada ao sexo feminino. Pelo sistema atualmente em vigor, os partidos são obrigados a reservar 30% das vagas às candidatas.

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) questionou a elevação desse porcentual, já que os partidos enfrentam dificuldades para preencher a cota de 30% por falta de mulheres interessadas em ingressar na política.

- O grande problema é o recrutamento, muitas vezes não se preenche a cota mínima de 30% porque as mulheres não se inscrevem.

Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), defensor da proposta, o maior número de mulheres na política “qualifica a vida pública”.

A comissão aprovou também a realização de uma consulta popular, na forma de referendo, para que os eleitores se declarem a favor ou contra as mudanças sugeridas para o sistema eleitoral brasileiro.

Os senadores Wellington Dias (PT-PI) e Pedro Taques (PDT-MS) defenderam a realização de um referendo amplo, que abranja toda a reforma política, e não apenas o sistema eleitoral.

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