terça-feira, 11 de novembro de 2008

O andar de cima continua blindado

BRASÍLIA - Qual o saldo da reunião do G-20, no fim de semana, em São Paulo? Para a solução da crise econômica, nenhum. O presidente Lula tentou injetar ânimo e otimismo para evitar a recessão e o pânico mundial, lançou sobre os sete países ricos a responsabilidade do que acontece e sustentou a participação dos treze emergentes na condução de uma nova economia onde o peso do estado e dos poderes públicos prevalecerá. Em suma, decretou os funerais do chamado mercado.

Demonstrando que apesar de responsáveis pela crise de bobos não têm nada, os ministros da Fazenda e presidentes dos bancos centrais dos países ricos, ou seus prepostos, deram a volta por cima e neutralizaram a investida dos emergentes. Propuseram a abertura do leque, quer dizer, a ampliação do G-20 para G-40 ou G-50. Querem todo o tipo de sapos, lagartos e caranguejos no balaio. Se for para estabelecer uma nova economia mundial, que participem todos, não apenas os ricos e os emergentes. Resultado: uma nova Torre de Babel onde os homens, além de não falarem com os deuses, condenam-se a deixá-los em paz para continuarem mantendo seus interesses e dando suas ordens.

Em outras palavras, o mercado recusa-se a ser enterrado. Prepara-se para levantar do caixão, depois da catalepsia, e continuará mantendo e impondo seus privilégios. Fracassou a tentativa de os emergentes mudarem de piso, subindo até o andar de cima e deixando os subdesenvolvidos no porão.

Porque os deuses, mesmo sujos e esfrangalhados, determinaram que ou sobem todos ou não sobe ninguém. Como é impossível abrigar no Olimpo tantos despojados, despreparados e desestruturados, a conseqüência será que depois de múltiplas propostas de mudança não vai mudar nada.

A conta da lambança feita pelos ricos permanecerá sendo endereçada aos mesmos de sempre: eles e nós, ou seja, os subdesenvolvidos e os emergentes. O andar de cima continua blindado, uma evidência a mais de que o mercado nada mais é do que um clubinho de esnobes poderosos, dominando um universo de fracos.
O fracasso da reforma política

Determinou o governo que até sábado deputados e senadores dispõem de prazo para apresentar sugestões às propostas palacianas de reforma política. Depois, será iniciar discussões e votações que na melhor das hipóteses se estenderão durante todo o ano que vem.

Começa que mesmo podendo quase tudo o governo não poderá impedir a intervenção de parlamentares em qualquer etapa desse longo e frágil processo. Faz parte das mínimas prerrogativas que sobraram ao Congresso que seus integrantes apresentem emendas até o momento final da votação - senão não votam.

Acresce que a reforma política arrasta-se pelo menos há vinte anos, só nessa nova fase posterior à Constituição de 88, sem ter andado senão milímetros, mesmo assim por obra a graça do Judiciário. A razão surge simples: um legislador jamais legisla contra seus interesses. Passa por ingênuo quem supõe Câmara e Senado aprovando em definitivo, para valer, mudanças capazes de declaradamente prejudicarem a reeleição e a preservação de suas cada vez menores parcelas de poder.

Não haverá reforma política efetiva, mesmo diante de propostas pífias e incompletas apresentadas pelo governo. Senão vejamos nos textos encaminhados semanas atrás pelo Executivo.

Votação em listas partidárias fechadas nas eleições proporcionais, para deputado federal, estadual e vereador: essa proposta pode favorecer os partidos, a começar pelo PT. Em vez de votar no candidato de sua preferência, o eleitor se obrigará a respaldar uma relação preparada pelos caciques que dominam a legenda. Imagine quem eles colocarão nos primeiros lugares?

Mesmo assim, fica difícil a aprovação, porque muitos deputados, ainda que bons de voto, se porventura incompatibilizados com as chefias partidárias, serão colocados no fim da fila. Como só os primeiros têm eleição garantida, votarão sua própria sentença de morte? Isso sem falar na renovação, isto é, aqueles que querem entrar por algum fator de popularidade aceitarão ser discriminados?

Financiamento público das campanhas: o argumento favorável é de que, ao menos na teoria, estariam proibidos exorbitantes gastos de campanha por parte de candidatos ricos ou que se comprometerem a defender o interesse dos ricos. Por isso os cofres públicos financiariam as despesas. Nem que as eleições fossem disputadas apenas por anjos, arcanjos e querubins os candidatos deixariam de, por baixo do pano, utilizar recursos privados junto com recursos públicos.

A malandragem sempre consegue superar a lei, somando-se também a absoluta falta de meios para a Justiça Eleitoral fiscalizar o montão de candidatos. Acrescem ainda dois obstáculos. O dinheiro para as campanhas seria entregue aos partidos, ou seja, a seus caciques, que se encarregariam da distribuição. E a opinião popular, não pesa nada? Se não existem recursos para melhorar escolas e hospitais, se as estradas andam esburacadas, se o próprio governo precisou reduzir as verbas para as obras do PAC, como explicar a abertura dos cofres públicos para financiar a classe dos políticos?

Fidelidade partidária: há séculos que os políticos mudam de partido como se muda de camisa. Razões de ordem pessoal, eleitoral, política e às vezes até ideológica determinam o troca-troca tão a gosto dos que se mantêm à tona. Engessá-los, mesmo com a ressalva de poderem mudar de partido uma vez, antes de cada eleição, além de farsa constitui sonho de noite de verão. Jamais a maioria parlamentar admitirá restringir-se assim. Inelegibilidade para o candidato que tiver sido condenado na primeira instância do Judiciário.

Estivesse em vigor essa determinação e pelo menos um terço das cadeiras do Congresso ficariam vazias. Costuma ser burlada até a proibição de candidatar-se quem foi condenado em última instância, sem direito a nenhum outro recurso. Além de existirem manobras escusas por parte de adversários através da obtenção de denúncias e de sentenças vãs, mas capazes de prejudicar cidadãos honestos. O fato de alguém estar sendo processado não elide o princípio de que todos são inocentes até a condenação final.

Proibição de coligações partidárias em eleições proporcionais: O que seria dos pequenos partidos se impedidos de coligar-se para enfrentar os grandes? Existem exageros nesses casamentos de ocasião, com as legendas de aluguel que ressuscitam apenas às vésperas das eleições, até para vender tempo nos programas de propaganda gratuita no rádio e na televisão. Apesar disso, a soma dos votos de candidatos de legendas menores serve como válvula de escape para alguns.

Cortar liminarmente a cabeça de todos equivaleria a privar o Legislativo de importantes representações, além de privilegiar a ditadura dos grandes. E por que, então, continuar permitindo coligações em pleitos majoritários? Se a regra é saudável, deve valer para todos, mas aí a gritaria seria geral. Já imaginaram Dilma Rousseff candidata apenas do PT?

Cláusula de barreira impedindo a posse de candidatos a deputado que não tiverem alcançado 1% da votação geral para a Câmara ou o funcionamento de partidos com menos de 0,5% dessa votação em pelo menos nove estados: essa é uma das dezenas de fórmulas já sugeridas ou até aplicadas ao longo das últimas décadas em nossa legislação eleitoral, sendo que todas, sem exceção, têm sido revogadas ou abandonadas.

As minorias sempre encontram um jeitinho de não desaparecer e contam com as simpatias gerais, em especial das maiorias. Afinal, a gangorra está em cima, mas pode despencar. Também será difícil que na hora da decisão, se essa hora chegar, os deputados deixem de pensar no futuro.

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